sexta-feira, 13 de junho de 2014

A Literatura francesa na Idade Média

Segundo os registros documentais, durante o período da Idade Média (IM), também conhecido como a Idade das trevas, período que foi do século V ao XV, foram registradas formalmente as primeiras expressões literárias de língua francesa. Contudo, torna-se difícil saber a origem dos textos literários difundidos nessa época, uma vez que eles eram provenientes de expressões folclóricas. Logo, a questão da autoria desses textos também é um fator emblemático. 
A autoria dessas obras é atribuída a um desses artistas: ao trovador e/ou ao copista e/ou ao clérigo. Funcionava basicamente da seguinte maneira: os trovadores eram os artistas da IM! Eles tinham o ofício de realizar espetáculos: recitar poemas, dançar, cantar, fazer acrobacias... e, ao recitar poemas, herança de seus ancestrais, eles iam adicionando um verso ou outro aqui ou acolá... já ouviu falar no ditado popular: "quem conta um conto aumenta um ponto"? Era mais ou menos assim! Logo, por suas contribuições espontâneas para com os poemas que recitavam, os trovadores eram também considerados autores. 

Sobre os copistas, eles registravam a oralidade através da escrita. Porém, ao copiar esses textos, provavelmente eles também faziam os seus acréscimos e decréscimos. E quanto ao clérigo, ele era considerado um homem culto; o homem da igreja, que fazia um curso superior e que tinha o poder de aprovar ou desaprovar os textos que eram publicados nessa época. 
            
Mas, sob qual contexto sociocultural essa literatura estava sendo produzida? 
Conforme mencionado antes, a Idade Média também é conhecida como a Idade das trevas - não por acaso. Foi uma época marcada por muitos conflitos religiosos e ideológicos. Cinco séculos (476-1453) de combates, de vitórias e de derrotas. A população francesa estava organizada em uma sociedade feudal, ou seja, as pessoas se organizavam em feudos - pequenos espaços de terra concedidos por um suserano (um nobre que doa algum bem) a um vassalo (quem recebe um bem material de um suserano e que, em troca, lhe jura fidelidade), em torno de um reino onde, ao centro, está o castelo do Rei. E o reinado, por sua vez, era subordinado ao clero. 
 Ou seja, a sociedade estava organizada na seguinte ordem hierárquica: o clero (a igreja) > a nobreza (os reis) > os burgueses (suseranos e vassalos). Podemos ver essa divisão de modo mais claro nas pirâmides sociais abaixo: 
 A economia era baseada na agricultura de subsistência, enquanto a ideologia predominante era o teocentrismo - Deus era o centro de tudo (ou pelo menos era para ser). Nesse contexto, ocorreram as Cruzadas. Em tese, as Cruzadas seriam expedições militares organizadas para "resgatar" a Terra Santa das mãos dos infiéis (daqueles que não mais se declaravam cristãos católicos). E, então, deu-se início a uma sucessão de oito Cruzadas (do ano de 1095, até o ano de 1270). 46 anos após a última Cruzada, aconteceu a Guerra dos Cem anos (que na verdade durou 116 anos), que consistiu em uma disputa por território entre a França e a Inglaterra. 
O Rei Henri Plantagenêt (rei da Inglaterra) havia se casado com Aliénor d'Aquitaine (duquesa francesa). Logo, alguns territórios pertencentes à Aliénor passaram a ser também pertencentes ao Rei Henri. E então a coroa da Inglaterra tinha muito mais territórios franceses do que a própria França. Assim que Philipe VI tomou de volta o território da Guyenne, o conflito se iniciou. Apenas após a intervenção de Joana d'Arc, que, conduzindo diversos soldados, resgatou Orléans e algumas outras regiões da posse da Inglaterra em 1429, é que guerra foi um pouco mais amenizada. Joana d'Arc foi capturada e queimada no ano de 1431. Em 1435, a Borgonha afirma uma aliança com o rei Charles VII e, então, o poder francês se afirma cada vez mais, até que a guerra dos Cem Anos chega ao fim, em 1453.
O latim era a língua falada pelos professores, estudantes, homens da lei e demais que eram subordinados à autoridade do clero. Eles escreviam e falavam em latim, porém, o desejo de difundir uma cultura profana (conforme os burgueses foram se especializando em suas profissões e, consequentemente, obtendo determinados privilégios econômicos), fez com que surgisse a língua francesa.

Os primeiros habitantes da França foram os gauleses (um povo celta); com o passar do tempo, eles abandonaram a língua celta e passaram a utilizar o latim vulgar. Durante a IM, surgiram duas línguas diferentes: a langue d'Oïl, ao norte do rio Loire, e a langue d'Oc, ao Sul. A langue d'Oc (também chamada de provençal) foi utilizada por diversos trovadores. Um dos dialetos advindos da langue d'Oïl, o frâncio (dialeto falado na região da Île-de-France), deu origem ao francês moderno que conhecemos hoje. 


Apenas no século XI, começaram a surgir as primeiras expressões literárias nessa nascitura língua francesa, com um estilo um pouco mais distante do das obras latinas clássicas. Vejamos, em seguida, quais as principais características dos gêneros literários produzidos durante a Idade Média. 

Os gêneros literários da Idade Média



Os escritores da IM compartilharam os seus valores, as suas crenças, os gostos e os ideias da classe feudal às quais eles pertenciam, através de suas obras. Nesse sentido, a poesia, o romance (a prosa) e o teatro foram o resultado da expressão do homem da IM, através da literatura. 
A poesia
 
Foi através das canções dos trovadores que o amor encontrou a sua mais bela expressão. A poesia difundida a partir do final do século XI abrangeu a concepção do amor cortês, em que o cavaleiro era o amante (homem que ama) que prestava devoção à sua dama (la fin'amour) através de seus poemas. Nessa forma poética, também era incorporado o que se considerava como valores e virtudes cavaleirescas, além dos sentimentos de submissão do amante para com a sua dama; essas temáticas foram advindas das cortes aristocráticas. 
Sendo uma forma de poesia surgida na Grécia Antiga e, originalmente, feita para ser cantada ou acompanhada de flautas e liras, a poesia lírica consistia em um modo de expressão sofisticada. Esse gênero foi difundido pelos trovadores em meados do século XII em langue d'Oc e, um século depois, em langue d'Oïl, sendo assim muito bem representado pelo poeta medieval Rautebeuf (1245 - 1285).
Esses poemas eram compostos em torno de 40 a 60 versos, repartidos em estrofes de 6 a 10 versos, cujas terminações consistiam em 'tornadas', que se repetiam ao final de cada estrofe, através de melodias e de rimas. 
Hoje, conhecemos essas canções graças aos cancioneiros, que consistem em manuscritos datados do final do século XIII e XIV. Os copistas transcreveram essas canções que circularam oralmente, durante a IM. 
Mas a canso não foi a única forma de poesia dos trovadores. Temos também uma veia satírica e moralista, através das serviètes - poemas que expressavam deplorações sobre a morte de grandes personagens históricos, recitados através de duas vozes nas quais dois poetas defendem cada um de forma irônica, dois pontos de vista opostos. 
Em meados do século XIV a poesia lírica se afasta da música, sob a influência de Guillaume de Machaut, devido às novas vertentes surgidas dentro desse gênero de poesia lírica: o rondó e, sobretudo, a balada. 
O romance

 
Com o surgimento da prosa, o gênero romance retomou diversas obras da antiguidade e as situou em um âmbito mítico, através de adaptações dessas obras. As temáticas abordadas nesses romances giravam em torno dos três principais eixos narrativos: o da matéria da França, o da matéria da Bretanha e o da matéria da antiguidade 
O eixo da matéria da França ou o Ciclo carolíngio relata os acontecimentos guerrilheiros situados na França e os feitos dos grandes líderes da época, tais como Carlos Magno, Guilherme d'Orange e Godrefroi de Bouillon, bem como o ciclo dos Barões revoltados. 
O eixo da matéria da Bretanha ou Ciclo arturiano compreende as lendas e contos transmitidos oralmente pelos povos celtas, constituídos a partir do império do rei Arthur e de histórias sobre os cavaleiros da távola redonda. 
Quanto ao eixo da matéria da antiguidade, trata-se das grandes obras de aventura da antiguidade, sobre os heróis do âmbito mítico. Sendo, pois, um resultado da translatio, ou seja, da tradução de obras do latim para a língua romana, sob a forma medieval de se realizar esse tipo de tradução - adaptando essas histórias ao contexto feudal.

O teatro
Na era medieval, as primeiras peças teatrais eram encenadas dentro das igrejas e também nas praças, sempre com espetáculos sacros, organizados pelo clero, sobre temas de inspiração religiosa, com histórias bíblicas ou sobre as vidas de santos. Mas também havia um teatro mais popular, de cunho cômico, que constituía as chamadas peças profanas.   
Durante a IM, era iminente a predominância de temáticas religiosas nas peças teatrais. Inicialmente, o teatro era cantado em versos poéticos, sempre em contextos litúrgicos e dentro das igrejas, representados após as missas. Posteriormente, no século XV, essa prática saiu dos monastérios e ganhou as ruas. Nesse sentido, haviam três principais eixos temáticos que conduziam as encenações dessas peças: o eixo do milagre, o eixo do mistério e o das moralidades. 
O eixo dos milagres consistia nos dramas sagrados que expressavam cenas das vidas dos santos. O eixo do mistério representava a expressão das principais festas religiosas: as festas de santos ou o mistério da Paixão de Cristo; essas encenações chegavam a durar dezenas de dias. 
O eixo das moralidades consiste em encenações mais breves do que os mistérios, mostrando personagens alegóricos situados no contexto social da IM (ex: a pobreza, a igreja, a luxúria, a nobreza etc.). 
As cenas da história bíblica eram intercaladas com episódios cômicos (as farsas), para evitar a monotonia dos espetáculos sacros, que, de modo geral, eram muito longos. A partir daí, surgiu a vertente cômica do teatro da IM.
Afastando-se do teatro religioso, o teatro medieval toma uma dimensão cômica e subversiva, colocando em cena diversas situações do cotidianas com o objetivo de distrair as pessoas e de fazê-las sorrir, através das chamadas farsas
As farsas eram peças cômicas curtas, compostas entre os séculos XIII e XV, apresentadas nas festas ou entre os atos de uma peça religiosa. Consiste em uma paródia da vida cotidiana com personagens típicos da época: charlatões, burgueses, maridos traídos, servos submissos etc. E haviam também as soties, que eram peças cujo conteúdo demonstrava a inversão de papeis sociais, abordando verdades sobre as quais nem todo mundo tinha coragem de falar.


Referências: 

NARTEAU, C.; NOUAILHAC, I. La littérature française - les grands mouvements littéraires du Moyen Âge. Paris: Librio, 2009.

BERTHEKIT, A.; CORNILLIAT, F.; MITTERAND, H. Littérature textes et documents: Moyen Âge et le XVI siècle. Paris: Éditions Nathan, 1988.

 ARMAND, A. Intinéraires littéraires - Moyen Âge et le XVI siècle. Paris: Hatier, 1988. 

terça-feira, 10 de junho de 2014

Principais escritores medievais

Philippe de Commynes (1447-1511)
Philippe de ComminesPortrait à la sanguine dans le Recueil d'Arras(Bibliothèque municipale d'Arras)
Commynes foi um político, memorialista e cronista de língua francesa do século XV. Ele redigiu as memórias dos reis Luís XI e Charles VIII com tanta imparcialidade e fidelidade, que tornou-se um homem de confiança dos homens poderosos da época. Suas memórias constituem preciosas fontes da História da França e da Europa e são, ainda hoje, objetos de pesquisa. Sendo um grande visionário, Commynes lamenta o antagonismo permanente entre as nações europeias e aspira uma Europa unida pelo cristianismo. 
Philippe de Commynes é o único autor medieval cuja recepção foi contínua desde a Idade Média, até o século XX. É grandiosa a sua fortuna literária. Podemos contar cerca de 120 edições entre os anos de 1540 e 1643. 
Suas memórias foram escritas em dois momentos:
Os livros de I a VI, entre 1489 e 1491;
Os livros VII e VIII (consagrados à expedição italiana) entre 1497 e 1498. As primeiras edições de suas memórias datam de 1524 (livros I-VI) e de 1528 (livros VII-VIII).
Para conhecer as Memórias de Philippe de Commynes, clique aqui.

Charles d'Orléans (1394-1465)


Filho do duque Louis d'Orléans e de Valentine Visconti, o príncipe-poeta Charles d'Orléans se encontra diante de uma responsabilidade política aos 13 anos de idade, quando ocorreu o assassinato do seu pai, em 1407. A partir da invasão dos ingleses nos negócios da França, começa a batalha de Azincourt; então, Charles d'Orléans colocado em uma prisão. 
Os poemas de amor que escreveu são dedicados à mulheres desconhecidas; por isso, não se sabe se se tratam de paixões reais ou de paixões idealizadas. A maior parte de sua obra é composta de ballades e de rondeaux, que são peças breves, que correspondem à um estado de fuga da alma, ou à uma circunstância concreta da vida. De poema em poema, se estabelece toda uma topografia alegórica na qual se movem numerosas personificações traduzindo todas as nuances dos sentimentos do poeta sob a forma abstrata. 
Clique aqui e conheça algumas de suas produções literárias.

François Villon (1431- desaparecido em 1463)
François Villon foi um dos maiores poetas franceses da Idade Média e é considerado o precursor dos poetas malditos do romantismo. Nascido no período da ocupação inglesa na França e órfão de pai, François é enviado para ser criado, por razões desconhecidas, por Guillaume de Villon, que se torna mais que um pai para ele e o manda estudar na Faculdade de Artes de Paris para que ele se torne um clérigo.
Em 1452, torna-se mestre em artes, em uma época bastante conturbada, quando um grande número de diplomados vivia em uma situação financeira delicada. Logo começa a ter problemas com a polícia e, a partir daí, Villon se desencanta pelos estudos e passa a preferir as aventuras e a vida boêmia. Após ter se envolvido com alguns roubos, ter sido preso algumas vezes e, em meio a tudo isso, ter produzido uma vasta herança literária, Villon sai da prisão em 1463 e, desde então, nunca mais se teve notícias dele.
Clique aqui e conheça algumas de suas produções literárias.